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Álvaro + Leila

Duas vidas, um sentimento

 

Fernando Kassab

As mãos dela, filha do sírio Aniz e da paulista-síria Nazira, eram pequenas, ágeis e habituadas a tudo. Desde pequena e desfrutando o papel de filha e neta única de uma família que mais tarde seria enorme, fora habituada a estar cercada de mulheres nascidas no país de seu pai e de seus avós maternos, para quem a cozinha e os afazeres da casa eram uma espécie de ritual indissociável do universo feminino, obrigatório para um futuro que incluía o casamento, os filhos e, como ela sempre dizia, um bom punhado de renúncias em nome de um bem estar maior. Das mãos dela, lembram-se todos os que a conheceram, nasciam o sabor e o afeto.

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Foto: Mauro Holanda/ Revista Gula - Reprodução
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As mãos dele, filho do libanês Salomão e da mineira-libanesa Luisa, eram enormes, firmes, cheias de uma decisão que se observava também na caligrafia: linda, uniforme e perfeita. Só não era mais perfeita do que o bom português e o conteúdo das palavras amorosas que ele costuma deitar, desde sempre, em lindas cartas para os pais, os irmãos, a namorada e, mais tarde, os filhos, enquanto viveu em Brasília, a cidade onde nós também moraríamos durante dois anos. Mas o que mais ficou foram os inúmeros e repetidos gestos de carinho que ele fazia nos filhos, nos sobrinhos e nos netos.

Quando o destino os uniu, em meados da década de 1950, as origens falaram mais alto e a identificação foi quase imediata, como eles gostavam de contar. As famílias, que já tinham um laço de amizade, iniciado no casamento de Fuad, irmão dele, e Nádima, tia materna dela, pareciam mesmo feitas uma para outra. O namoro entre o paulistano, até o fim orgulhoso de sua cidade, e a paulista, nascida em São José da Bela Vista, começou para valer um pouco antes das festividades do Quarto Centenário da cidade de São Paulo. O namoro seguiu pelos anos seguintes, entre Franca e Guaxupé, até que as mãos se uniram para sempre, em 1957.

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Do casamento nasceram os sete filhos e a vida foi mesmo feita de renúncias. Mas também de união e de um sentimento que nos ligaria para sempre: a boa mesa, tão comum em famílias de tantas nacionalidades, mas que, na nossa, que se deslocou para Campinas em 1967, ganhou a importância de uma coleção de obras de arte, fosse no trivial que alimentava a família numerosa, fosse nas especialidades da culinária sírio-libanesa. Nossa vida era animada pela excelência de sabores superiores. Do mais simples dos sanduíches às receitas de horas de preparo e trabalho exaustivo, o resultado sempre foi nada menos que sublime.

Para nossa sorte e imensa felicidade, o histórico dela era o da própria gastronomia; as receitas e a hospitalidade de nossos avós maternos são célebres. Nosso pai teve a mesma sorte: nasceu e cresceu cercado das mais finas especialidades culinárias libanesas, preparadas pela mãe e pelas quatro irmãs, e desenvolveu um sentimento maior pelo prazer de receber com entusiasmo e generosidade. Juntos, Álvaro e Leila foram mais que pais amorosos e atentos; enérgicos e exigentes. Apaixonados e entregues de forma definitiva aos filhos, nos deixaram uma herança em que o sabor e o acolhimento andam juntos. Sempre e para sempre.

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